Esse
talvez tenha sido o primeiro causo que ouvi, quase que em tempo real, sobre uma
criatura terrível que perambulava tão próxima a nosso bairro. Eu tinha meus seis
a sete anos, e nunca me esquecerei do dia em que Tia Tereza, uma comadre de
mainha, foi nos visitar em Ponte dos Carvalhos. Ela não deve ter demorado mais
do que duas horas lá em casa, conversando com minha mãe, mas continuei
lembrando aquela conversa por anos da minha infância. Hoje em dia, confesso que
muitos detalhes se esvaíram, mas ainda me recordo da história em si.
Ela começou a contar
que há poucos dias, em um sítio do Engenho Ilha, ali pertinho do bairro, havia
ocorrido algo realmente sinistro. Inclusive, ela trouxe consigo um álbum onde
havia algumas fotografias, e fez questão de mostrar para minha mãe. Eu, por ser
pequena, nunca vi as fotos, e fiquei por anos imaginando o que elas poderiam ter
de tão sinistras. Tia Tereza contou para minha mãe que tinha bicho correndo na
região. “Bicho correndo” significava que alguma criatura realmente medonha e
sedenta por sangue corria todas as noites, causando a morte de muitos animais e
assustando aos homens e outras criaturas da terra. Contudo, o caro leitor deve
perceber que a expressão “tá correndo bicho” sempre e sempre se referia a algo
que não era desse mundo. Ouvir tudo aquilo me causou arrepio, medo e ao mesmo
tempo fascínio na ocasião. Afinal, não eram todos os anos em que se tinha
notícia que uma criatura mitológica estava à solta, e tão perto da gente. Minha mãe replicava com suas explicações
sobre o porquê de bicho estar correndo. Segundo a população local, quando um
filho ou filha espancava seus pais, certamente ele ou ela estaria maldiçoado a
se transformar em um bicho sinistro que correria durante sete noites a cada
sete anos, até o dia de sua morte. Bom, então tia Tereza continuou dizendo que
fazia poucos dias que uma mocinha, filha do dono de um sítio, presenciou algo
apavorante. Essa menina criava algumas ovelhas, que todas as noites dormiam ao
relento, mas muito próximas à casa do sítio. Nesta fatídica noite, a menina
ouviu alguns balidos baixinhos das ovelhas, como se estivessem sendo
importunadas por alguma coisa. Então, a menina levantou-se da cama e olhou pela
brecha estreita da janela de madeira. Foi então que ela ficou surpresa ao ver
uma espécie de bicho enorme, que não era cachorro, lobo, onça ou qualquer coisa
parecida com o que se conhecesse lá pelas bandas do Cabo. Ela, apavorada de
medo, não conseguiu se mexer, e ficou ali quase que paralisada, vendo suas
ovelhas, uma a uma, sendo atacadas pelo bicho medonho. Ao amanhecer, a menina,
que mal havia pregado os olhos durante toda aquela noite maldita, levantou-se e
se dirigiu até a porta da frente. Ao sair da casa, se deparou com a triste
cena, em que todas suas ovelhas estavam, de fato, mortas, secas, sem qualquer
gota de sangue e tinham apenas dois orifícios meio azulados na região do
pescoço. O pai da menina tirou algumas fotografias daquela verdadeira e triste chacina
de ovinos, e enviou o filme para a revelação, guardando-as depois em um álbum
(Eu sei, bizarro! Mas como não havia internet, era assim que as coisas eram
registradas, ora!). Isso explica o álbum que tia Tereza trazia emprestado
naquele dia, e atualmente bem posso imaginar que aquelas fotos mostravam apenas
ovelhas mortas com marcas no corpo, mas nada de monstros aterrorizantes
captados em alta resolução (o que ingenuamente imaginei na época). De qualquer
forma, esse fato deve ter sido seguido de um ou outro registro de ataque a
animais nas redondezas, e logo depois tudo se acalmou. Não ouvimos mais falar de
bicho correndo por alguns anos, e a história ficou esquecida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seja Bem Vindo!
Favor, faça aqui seu comentário.
Obrigada por sua visita!