Havia muitas histórias (ou estórias) de
bichos que corriam, tarde da noite, nos engenhos pernambucanos, afastados das
luzes das cidades. Esses bichos botavam tanto pavor nos moradores que as
pessoas mudavam seus hábitos e horários para evitar um possível encontro com um
chupador de sangue, meio homem meio bicho, cuja natureza era demasiadamente
medonha e sinistra. Essa história é sobre uma tia avó minha, que morava no
Engenho Campo Alegre, e que tendo que visitar sua sogra, minha bisavó Dona
Donzinha, no município de Escada, tinha que caminhar cerca de dez horas, em
estradas margeadas por canaviais e, às vezes, pequenos vilarejos até chegar em
seu destino. Essa distância não espanta, visto que, no passado, era costume
rotineiro pessoas realizarem longas caminhadas, que duravam até dias inteiros,
para visitar familiares em outros municípios vizinhos. Após visitar sua sogra,
normalmente essa minha tia saia bem cedo na manhã seguinte, o que lhe garantia
chegar a Campo Alegre ainda à tardinha. No entanto, em certa ocasião, ela se descuidou
da hora e deixou a casa de minha bisavó somente ao meio dia. Apesar de estar
receosa com o andar das horas, ela queria mesmo retornar para sua casa. Deixou
de lado sua apreensão, embora soubesse que, mesmo a passos largos, só chegaria em
casa após dez horas da noite. Naquela época não havia tanta violência e minha
tia, diga-se de passagem bastante corajosa, não teria tido seu coração afligido,
se não fosse pela tenebrosa notícia sobre um bicho que andava atacando animais
nos engenhos ao longo de seu caminho. A estrada era de terra e parecia se
estender infinitamente por entre canaviais, matas fechadas e raros vilarejos.
Já havia escurecido e passava das onze horas da noite, mas faltava ainda mais
de uma hora de caminhada até sua casa, que ficava em um sítio bem afastado do
engenho. Apesar do medo, a noite estava bastante iluminada pela lua e nenhuma
criatura havia lhe cruzado o caminho, quando, ao subir um morro, ela percebeu
um vulto escuro e muito grande se locomovendo logo abaixo. Nesse instante, seu
coração disparou completamente, pois ela sabia que só havia cana de açúcar em
sua volta e, seja qual direção tomasse, ela ainda estava a mais de uma hora de
qualquer alma viva. Ela criou coragem e reduziu seu caminhar, esperando que
aquela criatura desaparecesse ao longe, no meio do breu. Quando não mais viu
qualquer sinal de criatura, apertou o passo e, finalmente ao chegar em casa,
encontrou seu marido que a recebeu desesperado, relatando que não fazia nem
meia hora que o tal bicho, que corria por aquelas bandas, acabara de passar
urrando alto, muito perto de sua casa.
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
segunda-feira, 15 de agosto de 2016
O astronauta no portão
Esta
história certamente é a mais bizarra e inesperada entre todas as relatadas aqui,
não por sua natureza em si “estranha”, visto que as outras também o são, e até
muito mais, mas por tratar-se de uma visão sem igual em toda a História (creio
eu, em minha humilde imaginação). Por volta do final dos anos 90, a maioria das
crianças, que antes enchiam de brincadeiras a rua lá de casa, já havia
crescido. Embora eu não brincasse na rua, era sempre costume fazer alguma
zoeira em casa, fosse com meus primos ou com os filhos da comadre da minha mãe.
Em uma dessas noites, logo após o jantar, lembro que conversavam no quarto da
minha tia, a própria, minha mãe e sua comadre, enquanto eu e a afilhada de
minha mãe brincávamos na sala. Não lembro bem em que consistia a brincadeira,
mas acho que não era nada elaborado, simplesmente estávamos jogando almofadas
umas nas outras. Foi quando, de repente, essa menina encostou-se à parede,
pálida e olhando para mim. Eu, já assustada, perguntei o que ela havia visto e,
para minha surpresa, ela respondeu que avistara um astronauta no portão. Aqui,
caro leitor, preciso esclarecer que as casas de minha mãe e tia são geminadas e,
naquela época, possuíam um muro baixinho com portão em grade metálica, o que
permitia ver claramente toda a rua. Como a porta da sala possuía basculantes,
qualquer pessoa de dentro da sala veria facilmente alguém na rua. A menina
estava visivelmente paralisada, repetindo que ele ainda estava lá fora. Naquela
ocasião, pega tão de surpresa, eu não quis pagar para ver, então nos abaixamos
e saímos engatinhando até o quarto para, então, contar o ocorrido às nossas
mães. Nem preciso dizer que ninguém acreditou naquele fato para lá de
inusitado; se ainda fosse um fantasma, mas um astronauta? Depois de alguns
minutos, conseguimos, ao menos, convencer nossas mães de que estávamos bastante
assustadas. Fomos todas para a sala, mas como já era esperado, não havia uma viva
alma no portão. Os únicos detalhes a mais que a menina conseguiu relatar,
depois do ocorrido, foi que aquele astronauta – ela o definiu assim, pois
estava todo de branco e com um capacete também branco similar ao de um
astronauta – tinha estatura pequena, similar a uma criança de oito ou dez anos,
e segurava as grades do portão com as mãos, como se estivesse curioso em ver o
que havia dentro da casa. Até hoje, não tenho explicação para aquilo. Alguém
fantasiado, tentando pregar uma peça; quanto investimento para mais ninguém na
rua ter visto aquilo também? Uma visão deslocada que a menina achou ter enxergado,
no meio daquela brincadeira de almofadas? Ou realmente teria sido algo
insólito? Vai saber...
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sábado, 6 de agosto de 2016
Papai Noel
A
meninada da nossa vizinhança sempre brincou na rua, mas era somente durante as festas de São
João, Natal e Ano Novo que nossas mães nos permitiam ficar até altas horas da noite brincando e conversando em frente de casa (naquela época, anos 80/90, o bairro ainda era tranquilo). À medida que fomos crescendo, as conversas se tornaram mais comuns e
as brincadeiras como roda, academia, pique esconde, pique pega, barra bandeira
e queimada foram se tornando cada vez mais raras. Em uma noite de véspera de
Natal, não me recordo o ano, eu lembro que estávamos sentados em cinco amigos sobre
um tronco de coqueiro, que servia de banco, na frente da casa de uma amiga vizinha.
A faixa etária do grupo devia variar de dez até 16 anos, e estávamos um pouco
desanimados com aquela noite de Natal, talvez porque a situação financeira não
fosse boa para nenhuma das famílias ou porque já não enxergávamos mais o
encanto infantil do Natal. Foi quando
aconteceu algo realmente fantástico. Uma amiga começou a observar o céu e logo comentou com os demais: “Gente,
olha aquela nuvem como é igualzinha ao Papai Noel!” Nesse momento, olhamos
para o céu e estava lá, enorme, branca e solitária, uma nuvem que formava, sem nenhuma
falha: um trenó com um saco enorme, o papai Noel e duas renas à frente. Era uma visão quase que inacreditável. Imediatamente ficamos todos em silêncio, e com lágrimas nos olhos admiramos
aquela visão no céu, que deve ter durado uns cinco minutos, até começar a se
desfazer lentamente. Tivemos a certeza de que aquela noite de Natal foi
realmente mágica. Embora sem grandes brincadeiras ou presentes, estávamos ali
reunidos, contemplando algo que vimos e que tínhamos a certeza de que não era
abstrato. Porém, tratava-se de algo que ninguém mais veria, pois logo a nuvem se
desfez, sem dar chance para chamarmos algum adulto que pudesse constatar aquele
Papai Noel branco e fofo, igual a algodão pairando no céu.
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